A minissérie ‘Dercy de Verdade’ acabou e já deixa saudades. Com duração de apenas quatro capítulos, condensando os 101 anos da desbocada comediante. O trabalho de pesquisa desenvolvido pela autora Maria Adelaide Amaral, explorou um lado que poucas pessoas conheciam da atriz. Dolores Gonçalves Costa, oriunda de Santa Maria Madalena no estado do Rio de Janeiro, se mostrou uma mulher de fibra e muito a frente de seu tempo, mas com os dois pés cravados no moralismo da época.
Vedete no teatro de revista, fez carreira percorrendo primeiro os teatros da Praça Tiradentes, Dercy (Heloísa Périssé/Fafy Siqueira) tinha verdadeiro horror que a filha Decimar (Samara Felippo), fruto de um relacionamento com um homem casado se encantasse também pelo mundo das artes e é justamente esse lado mais recatado que deu o tom surpreendente a série. Em principio tudo o que a grande maioria das pessoas lembra sobre a atriz era justamente a faceta cômica, regada a palavrões e alfinetadas comuns em seu repertório. É claro que essa característica esteve presente em todo o momento, no entanto é a outra faceta de mãe de família e trabalhadora voraz que chamou atenção. Com base em seu próprio livro, (a biografia ‘Dercy – de Cabo a Rabo’, escrita cerca de treze anos antes), Maria Adelaide bebeu em sua fonte de inspiração e conseguiu retratar com delicadeza e competência uma mulher do interior que foge da violência doméstica e pobreza para conquistar o afeto e respeito que não conseguira dentro dela casa.
Pouco a pouco o telespectador vai acompanhando os sacrifícios que a Dercy mãe se submeteu para garantir um ‘bom casamento’ para a filha Decimar, logo cedo entregue a irmã para ser cuidada. Dercy não foi uma mulher feliz em seus relacionamentos, ao menos na versão da série era tudo muito pouco romanceado e afetado, dessa forma não chegava a ser um martírio a atriz ficar sozinha em consequência dos picaretas que conheceu ao longo da vida. Em prol dos padrões morais que submetia a criação da filha, em contraponto a vida que ela mesma vivia, essas múltiplas Dercys afloram traços desconhecidos e culminam na melhor cena de toda a série, quando a comediante de frente para a traição do então marido Augusto, toca ele para correr e se ajoelha aos pés da amante do sujeito e suplica para ela deixá-lo em paz. Porque ela precisava dele para levar a filha ao altar. Ali, fica claro que para Dercy mãe é uma questão de honra que sua filha seja levada ao altar da forma mais tradicional possível, para a Dercy artista conseguir algum respeito seja por parte dela mesma, seja por parte dos outros. O casamento não deu certo, claro e Dercy mãe mesmo assim casou a filha e conseguiu o que queria.
O destaque da trama vai para Heloísa Périssé. Associada sempre aos núcleos cômicos, a atriz conseguiu defender a fase mais complicada da personagem até seus sessenta anos com forte carga dramática sem se tornar caricata, o que poderia facilmente acontecer devido a própria maneira que Dercy trabalhava em si. A direção, figurino e os cenários só jogaram a favor da produção que teve um resultado muito legal como um todo. Na final se provou correta a decisão de resumir a história em poucos capítulos a fim de evitar repetições na trama. A minissérie foi curta, instrutiva, divertida, bem acabada e uma bela homenagem a uma comediante que deixou para o país um histórico de humor como poucos. Viva Dercy Gonçalves!
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